No final do mês de agosto, o governo federal enviou para o Congresso Nacional a proposta orçamentária, o Projeto da Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020. Nessa proposta constam as receitas e despesas programadas para o próximo ano fiscal para serem apreciadas e modificadas pelos representantes da sociedade no Congresso. Quais os principais pontos do PLOA 2020?
O primeiro ponto importante do PLOA 2020 é o nível elevado das despesas obrigatórias. Desde a Constituição Federal de 1988 criamos tantas amarras no orçamento que, em 2020, o Congresso Nacional só poderá se manifestar sobre uma porção muito pequena do orçamento. A despesa sem juros do governo central no próximo ano, a chamada despesa primária, será de R$ 1,48 trilhão (19,4% do PIB). Desse total, o Congresso Nacional só poderá decidir a alocação de R$ 105,3 bilhões, sendo R$ 89,1 bilhões de despesa discricionária de custeio e investimento, e R$ 16,1 bilhões de emendas impositivas que serão alocadas pelos parlamentares.
Ou seja, o Congresso Nacional passará meses debatendo como alocar apenas 7% do orçamento de 2020, pois 93% são despesas obrigatórias cujo crescimento foi previamente definido por regras constitucionais, leis complementares e ordinárias.
Um segundo ponto importante do PLOA 2020 é o baixo nível do investimento público. Da despesa primária de R$ 1,48 trilhão (19,4% do PIB), o investimento público do governo central será de apenas R$ 19 bilhões, que poderá aumentar para R$ 30 bilhões (0,4% do PIB), quando parte das emendas parlamentares impositivas forem alocadas para esta finalidade. Em 2014, o investimento público a valores de hoje foi de R$ 102,7 bilhões. Ou seja, apenas 2% da despesa primária do governo central no próximo ano será alocada para investimento e 98% será gasto com pessoal e custeio, sendo que a quase totalidade dessas despesas são obrigatórias.
Uma terceira característica do orçamento de 2020 é que, apesar da reforma da previdência, a despesa e o déficit da previdência ainda crescerão como porcentagem do PIB. Assim, a despesa com o Regime Geral da Previdência (RGPS) alcançará 8,9% do PIB, ante 8,8% do PIB, em 2019. Se consideramos todos os regimes previdenciários, inativos militares e pensionistas, o déficit passará de R$ 308,7 bilhões (4,3% do PIB), em 2019, para R$ 327,6 bilhões (4,6% do PIB), em 2020. A reforma da previdência foi muito importante, mas a economia dessa reforma aparecerá apenas gradualmente ao longo dos anos e será de, no máximo, 1,4 ponto do PIB até 2026, insuficiente para garantir o ajuste fiscal necessário.
Uma quarta e preocupante característica do orçamento de 2020 é que o próximo ano será o sétimo ano seguido de déficit primário para o governo central: R$ 124 bilhões (1,6% do PIB). Apenas para que se tenha ideia do enorme desafio do ajuste fiscal, a Emenda Constitucional (EC) no 95/2016, o teto dos gastos, estabeleceu que, por dez anos, o crescimento da despesa primária do governo central não poderá superar a inflação.
O teto dos gastos implica um ajuste fiscal pelo lado da despesa, o que significa sair de uma despesa primária do governo central de 19,9% do PIB, em 2016, para uma despesa primária de 16% do PIB até 2026, transformando um déficit primário de 2% do PIB em um superávit da mesma magnitude, um ajuste fiscal de cerca de R$ 280 bilhões, equivalente a 4 pontos de percentagem do PIB.
Os dados do PLOA 2020 apontam que a despesa primária será de 19,4% do PIB, apenas 0,5 ponto do PIB inferior a despesa do final de 2016, quando o teto foi aprovado. Assim, para fazer um ajuste fiscal de 4 pontos do PIB via queda da despesa primária, ainda falta cortar 3,5 pontos do PIB da despesa até 2026, ou seja, quase 90% do corte da despesa primária necessário para o ajuste fiscal ainda está por vir, apesar da despesa discricionária, em 2020, já ter alcançado o menor valor real desde 2009.
Um quinto ponto do PLOA 2020 é a continuidade do forte crescimento das despesas obrigatórias. Nos primeiros três anos de vigência do teto dos gastos (2017, 2018 e 2019), a despesa obrigatória cresceu cerca R$ 204 bilhões e, em 2020, crescerá mais R$ 62 bilhões. Como se pode esperar ajuste fiscal pelo corte de despesa, quando as despesas obrigatórias são quase todas indexadas à inflação e crescem, em média, acima de R$ 60 bilhões por ano?
O mais grave é que, apesar da inflação inferior a 4% ao ano, cerca de R$ 35 bilhões do crescimento das despesas obrigatórias, em 2020, será consequência do efeito da inflação no orçamento, já que quase 70% do orçamento do governo central, no Brasil, é indexado à inflação ou à receita corrente líquida (emendas impositivas). Dada a elevada indexação do orçamento federal e sendo 93% das despesas obrigatórias, a cada dia que passa se torna mais difícil cortar as despesas para fazer o ajuste fiscal.
O baixo nível do investimento público no Brasil não é culpa do teto dos gastos, mas sim do crescimento excessivo das despesas obrigatórias, o excesso de vinculações e a elevada indexação do orçamento. O desafio de mexer com essas três características do orçamento em conjunto com a reforma administrativa, controle de concursos públicos e suspensão de aumentos salariais por alguns anos é o que de fato importa para o controle da despesa. O teto dos gastos apenas explicita esse desafio.
O orçamento de 2020 nos mostra uma situação dramática de um país que, apesar de uma carga tributária de 34% do PIB, ainda tem um elevado desequilíbrio fiscal, o investimento público está desaparecendo e que, até 2020, o corte da despesa primária será de apenas 0,5 ponto do PIB, quando o desafio é cortar 4 pontos do PIB até 2026 se quisermos fazer um ajuste fiscal integralmente pelo lado da despesa.
A grave situação fiscal do Brasil decorre do crescimento excessivo das despesas obrigatórias e, se não mudarmos essa situação, pagaremos mais impostos para equilibrar as contas ou a inflação poderá reclamar o seu direito de impor um “ajuste” forçado.
Mansueto Almeida é secretário do Tesouro Nacional