Posicionamento do Conselho Regional de Economia do Ceará – CORECON-CE para a sociedade.

No dia 15 de fevereiro de 2023, foi aprovado, na Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, um conjunto de medidas com forte impacto econômico sobre a população cearense. Por esse motivo, o Conselho Regional de Economia entende que é preciso haver uma discussão mais profunda ante os efeitos e as consequências de longo prazo que tais medidas acarretarão.

Dentre os projetos aprovados, é importante destacar principalmente os quatro seguintes pontos:

O primeiro ponto faz referência à reformulação do quantitativo de secretarias estaduais, passando para 32 no total, e a elevação da alíquota do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), passando de 18% para 20% e incidindo sobre energia, combustíveis e telecomunicações.

O segundo ponto faz referência ao pleito do governo do Estado, junto ao Banco do Brasil, para realização de um empréstimo no valor de R$ 900 milhões de reais. Em contrapartida, o Governo do Estado também informou medidas de cortes de despesas, devidamente aprovadas pelo Conselho de Gestão por Resultados e Gestão Fiscal (COGERF), com o objetivo de economizar cerca de 300 milhões de reais neste ano de 2023.

O terceiro ponto trata da criação do Fundo Estadual de Sustentabilidade Fiscal do Ceará – FESF – com recursos oriundos das desonerações de ICMS de contratos de incentivos fiscais já existentes.

O quarto ponto refere-se ao objetivo do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Ceará – CONDEC, que aprovou 67 metas que se relacionam a protocolos de intenções, resoluções de benefícios e investimentos estratégicos no interior do Ceará, visando geração de emprego e renda.

Anexo ao orçamento do Estado para 2022 e 2023, temos o Relatório de Riscos Fiscais, instrumento bastante significativo para alertar os gestores sobre a probabilidade de frustração de receitas, cenários macroeconômicos externos e internos que podem afetar a dinâmica da economia local, além de outros aspectos não menos relevantes. Ao final de cada relatório são indicados todos os riscos fiscais juntamente com as providências a serem executadas para mitigar os prováveis efeitos negativos. Tanto em 2022 como em 2023 a providência mais citada foi o item “Redução de Despesas Discricionárias”, que significa as despesas cuja execução está sujeita a uma avaliação de oportunidade do gestor público. Nela são incluídos os gastos com programas públicos e o custeio do governo.

É importante ressaltar que um estado pobre como o Ceará precisa estar mais atento ainda sobre os gastos dos governos, tendo em vista que os recursos são demasiadamente escassos. Neste contexto, também é importante ressaltar que, segundo dados do IBGE, em 2021, no Ceará, havia 1,4 milhão pessoas vivendo na extrema pobreza e 4,3 milhões vivendo em situação de pobreza. Em 2021, a extrema pobreza e a pobreza ficaram em patamares superiores a 2019, período pré-pandemia.

Segundo dados da Lei Orçamentária Anual, o orçamento do estado do Ceará será, neste ano de 2023, de aproximadamente R$36,4 bilhões. De maneira direta, a economia esperada com redução de gastos em torno de R$ 300 milhões refere-se a cerca de 0,8% do orçamento anual do Estado. Com tal perspectiva, é importante que se apresentem à sociedade os custos do aumento das estruturas da administração pública, direta e indiretamente, para que seja nítido o resultado dessa economia proposta.

É importante que todo governo pratique três simples ‘filtros de questionamento’ ao pensar em criar secretarias e políticas públicas: existe algo já funcionando de forma semelhante? Quanto custará alterar o que já existe? De onde virá o dinheiro para as novas políticas? É importantíssimo tornar públicas as respostas a tais questionamentos de forma técnica e com a máxima transparência possível à sociedade. O cidadão comum, diante de um cenário adverso financeiro, tem uma única opção: aumenta a renda com mais trabalho ou reduz despesas para equilibrar seu orçamento. Não existe dinheiro público, o dinheiro sempre será fruto do trabalho de alguém.

Aumentar renda no setor público ocorre somente se o ambiente indicar crescimento econômico, mesmo que no curto prazo. Ainda, se esse não for o caso, será necessário cortar substancialmente os gastos. Para 2023, segundo o Banco Mundial, o Brasil deverá crescer 0.8%, desconsiderando os efeitos da crise sobre o setor de varejo. Por outro lado, há uma clara recuperação do cenário externo que pode compensar efeitos negativos internos. Por esse motivo, a taxa de crescimento de 0.8% é uma estimativa adequada e considerada possível.

É importante ressaltar que os valores relacionados às transferências constitucionais do Governo Federal, recebidas pelo Estado, poderão ser reduzidos drasticamente afetando ainda mais o equilíbrio fiscal do Ceará.

Em virtude da Lei Complementar 194/2022, que limitou a alíquota desse imposto em 18%, o governo utilizou como justificativa uma queda na arrecadação com o tributo por conta do teto exigido. Por essa Lei Complementar, segundo o governo, o Estado perdeu R$ 1,3 bilhão em 2022 e estima-se perda de R$ 2,2 bilhões em 2023. Porém, de acordo com o Relatório Resumido de Execução Orçamentária (RREO)1 do Ceará, em 2022 a arrecadação bruta2 de ICMS foi de R$ 17,12 bilhões, representando um aumento de R$ 893,45 milhões se comparado ao ano de 2021.

 

Observações:
1 Anexo 03 do RREO disponível no Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
2 Sem descontar as transferências para o FUNDEB.

3 Valores nominais. Sem ajustar pela inflação.

 

Figura 1

 

Figura 2

Uma possível explicação para a elevação da arrecadação total de ICMS do Estado se dá pela redução do valor do ICMS nos setores de combustíveis, eletricidade e telecomunicações, o que proporcionou um alívio orçamentário para empresas e famílias que passaram a realizar gastos em outros setores da economia. Isso potencializou a base total de arrecadação resultando em ampliação da receita total de acordo com dados tornados públicos pela Secretaria da Fazenda. (https://www.sefaz.ce.gov.br/arrecadacao-de-cnaes/).

Neste contexto, emerge um questionamento claro sobre três pontos: qual a necessidade real para esse aumento de impostos? Qual a magnitude ideal desse aumento de alíquota? Que efeito isso causará na inflação do estado do Ceará?

Vale lembrar que o Ceará tem a cesta básica mais cara do Nordeste, segundo dados do DIEESE de 2022. Neste cenário, em que a missão de todo governo é combater a pobreza e a fome, o aumento desses impostos, sem que haja uma resposta clara aos questionamentos acima, pode, na prática, aumentar o custo de vida dos menos favorecidos causando um efeito inverso ao desejado pelo governo e pela sociedade.

Isso ocorre porque o aumento da alíquota do ICMS aprovada impacta diretamente nos preços da produção de alimentos e no transporte rodoviário, chegando a todos os consumidores finais e comprometendo a segurança alimentar dos mais pobres.

Sobre a questão do empréstimo no valor de R$ 900 milhões, a ser contratado com o Banco do Brasil, é importante que seja esclarecida para a sociedade cearense a sustentabilidade da dívida apresentada. Um empréstimo que representa 2,4% do orçamento do Estado para o ano de 2023 pode parecer pouco, no entanto ele se soma a outros empréstimos que serão pagos pelas gerações futuras. Em referido contexto, a sociedade deve se questionar sobre o prazo, a taxa de juros contratada, o objetivo fim do empréstimo e a transformação dessa contratação em melhora na qualidade de vida da população, pois, no final, todos nós pagaremos por ele.

A criação do Fundo Estadual de Sustentabilidade Fiscal do Ceará – FESF – é um ponto que gera, talvez, um questionamento mais de âmbito negocial do que meramente econômico. Se o Estado vem há décadas utilizando incentivos fiscais para a atração de empresas, esses empreendimentos, que geram empregos e impostos, calculam seus custos e margens de lucros baseados nesses incentivos. Dessa forma, os investimentos são realizados para um longo prazo, e nenhum deles conta com a retirada, ainda que parcial, dos incentivos pactuados.

A criação do fundo, ainda que tenha um objetivo nobre, é um exemplo claro de quebra de confiança entre o investidor privado e o setor público. O mundo econômico é baseado em incentivos e fatos concretos. A retirada dos incentivos de maneira intempestiva será, no longo prazo, vista como algo que pode ocorrer novamente, de modo desencorajar a chegada de novos empreendimentos no Estado, baseados no conjunto de incentivos fiscais, tornando mais fácil a atração de futuros investimentos por Estados concorrentes que não incorrerem nessa prática. Isso poderá acarretar uma diminuição da criação de novos postos de trabalho. Se por um lado o fundo proposto resolve um problema de caixa, por outro ele gera um problema de confiança, que, a nosso ver, é muito mais complexo para ser resolvido. Existem alternativas? Sim, existem e se baseiam em um novo arranjo para a composição de ativos desse fundo.

Além disso, são públicas as informações de que há uma interlocução junto ao Governo Federal com um conjunto de negociações para que os governos estaduais possam ser ressarcidos sobre as perdas iniciais do limite de cobrança de ICMS imposto pela Lei Federal em 2022. Neste contexto, também se questiona: qual é o valor total que se pretende recompor com todas essas medidas? Que cálculo foi feito na prática que torna toda essa mudança necessária?

Por fim, o combate à fome é uma das principais metas de todos os governos, isso em todas as suas esferas. Entretanto, é importante se questionar se existem outras formas para diminuir a pobreza e, consequentemente, a fome que não sejam exclusivamente por meio do aumento de impostos. Tecnicamente, e analisando do ponto de vista histórico, nações com taxas de impostos mais elevadas demoraram muito mais tempo para resolver seus problemas sociais. Aquelas que optaram por caminhos diversos do “aumento de tributos” puro e simples foram as que de fato se tornaram bem-sucedidas por amenizar os problemas sociais dos menos favorecidos. Nessa visão, os bons exemplos da gestão econômica são aqueles nos quais acreditamos que devemos nos espelhar para diminuir nossas desigualdades sociais e melhorar a qualidade de vida dos cearenses, em especial daqueles que mais precisam.

Isso posto, o Conselho Regional de Economia do Estado do Ceará – CORECON CE – propõe o questionamento sobre a publicização com resposta a essas indagações que são de interesse da sociedade em geral. O aumento de tributos, ainda que de boa fé e com a melhor das intenções, não pode ser tratado como algo comum, prático e rotineiro, pois substancialmente ele torna de imediato todos os indivíduos mais pobres sem que haja uma garantia real de que toda a sociedade ficará mais rica. Por esses motivos e, levando em consideração que algumas dessas medidas serão implementadas apenas em 2024 por questões legais, o Conselho se coloca à disposição de toda a sociedade, e dos agentes públicos e privados, para contribuir discutindo sobre esse importante assunto por meio de um debate com interesse direto em favor da qualidade de vida, da renda digna e do direito à alimentação de toda a população cearense.