Por que estudar economia ajuda a tomar melhores decisões? – Thiago Holanda
Frequentemente, a economia é percebida pelo senso comum como uma disciplina restrita a complexos gráficos financeiros, índices obscuros de mercado ou debates herméticos sobre taxas de câmbio. No entanto, essa visão ignora a essência fundamental dessa ciência social.
Em sua definição clássica, a economia não é meramente o estudo do dinheiro, mas sim o estudo das decisões humanas diante da condição de escassez. Conforme postula Mankiw (2015), a sociedade gere recursos limitados frente a desejos ilimitados, e é nessa tensão que reside a verdadeira natureza da análise econômica.
Compreender essa dinâmica é fundamental, pois ela transcende os gabinetes do Estado e permeia a vida cotidiana de cada indivíduo. Ao dominar os conceitos básicos da economia, o cidadão comum instrumentaliza-se para tomar decisões mais racionais, informadas e eficazes, seja no gerenciamento do orçamento doméstico, na escolha de uma carreira profissional ou no exercício do voto.
A aplicação da economia como ferramenta para a tomada de decisões revela que cada escolha carrega consigo um custo de oportunidade (o valor daquilo que se renuncia ao optar por uma alternativa em detrimento de outra). Essa lógica aplica-se tanto à alocação de capital financeiro quanto ao uso do tempo, talvez o recurso mais escasso da existência humana. Quando a educação econômica é negligenciada, o indivíduo tende a focar apenas nos custos explícitos e imediatos, ignorando variáveis de longo prazo e externalidades que moldam o seu futuro e o da coletividade. Nunes et al. (2020) reforçam essa perspectiva ao argumentar que a educação econômica possibilita ao cidadão reconhecer o impacto dialético de suas escolhas: as decisões individuais moldam o cenário coletivo e, reciprocamente, a macroeconomia restringe ou amplia as liberdades individuais.
Portanto, a alfabetização econômica não é um luxo, mas um pré-requisito para a autonomia pessoal.
Avançando para a esfera pública, a inserção de conteúdos de economia nos currículos escolares e no debate social emerge como um pilar para a formação de cidadãos. A democracia , com suas complexas interações entre Estado e Mercado, exige um eleitorado capaz de decodificar fenômenos que impactam diretamente o bem-estar social.
Segundo Gouveia (2020), a educação econômica promove o pensamento analítico, uma competência que capacita o indivíduo a avaliar, com independência intelectual, a viabilidade de políticas públicas, a justiça dos sistemas tributários e a dinâmica de preços e salários.
Sem esse ferramental analítico, a sociedade torna-se refém de narrativas populistas que prometem soluções fáceis para problemas estruturais complexos.
Silva e Gomes (2018) são categóricos ao afirmar que entender economia é uma condição básica para o exercício pleno da cidadania, uma vez que a ignorância econômica fragiliza a capacidade de fiscalização dos governantes e a participação qualificada nos rumos da nação.
A materialidade desse conhecimento se manifesta no dia a dia, da feira ao voto. O domínio de conceitos como inflação, taxas de juros, dívida pública e políticas fiscais não serve apenas para acadêmicos, mas é crucial para a sobrevivência e prosperidade das famílias.
A inflação, por exemplo, não é apenas um número no noticiário, mas um fenômeno corrosivo que afeta o poder de compra e o custo de vida, exigindo estratégias de proteção do patrimônio. Da mesma forma, a compreensão sobre juros compostos e o funcionamento do crédito define a fronteira entre a solvência e o superendividamento.
A falta desse conhecimento favorece a desinformação e a vulnerabilidade a promessas políticas insustentáveis, criando um ciclo de escolhas impulsivas que perpetuam a estagnação. Nesse sentido, Teixeira et al. (2019) defendem que a educação financeira e econômica deve ser encarada como uma ferramenta de proteção social, transcendendo a ideia utilitarista de enriquecimento pessoal para se tornar um mecanismo de segurança e estabilidade para a população.
Contudo, a teoria econômica clássica, que pressupunha o ser humano como um agente perfeitamente racional (“Homo Economicus”), foi refinada nas últimas décadas pela incorporação de insights da psicologia.
A economia comportamental trouxe à luz a compreensão de que as decisões humanas são frequentemente afetadas por vieses cognitivos e heurísticas que desviam da racionalidade estrita. Ao estudar economia sob essa nova ótica, o indivíduo desenvolve uma maior consciência sobre as armadilhas mentais que sabotam suas finanças e seu consumo. Kahneman (2011), prêmio Nobel de Economia, demonstra que operamos sob dois sistemas de pensamento, sendo frequentemente traídos pelo sistema rápido e intuitivo. Fenômenos como o “viés do presente” (a tendência de preferir recompensas menores e imediatas a recompensas maiores e futuras) explicam a dificuldade crônica de poupança em diversas sociedades. Da mesma forma, o “efeito manada” e o excesso de confiança levam a bolhas especulativas e a erros de investimento. Vieira (2017) ressalta que a alfabetização econômica auxilia na superação desses erros sistemáticos, pois, ao compreender que comportamentos irracionais são previsíveis, é possível criar “arquiteturas de escolha” e mecanismos de autocontrole que mitiguem tais impulsos.
Assim, é necessário abordar a dimensão sociológica do acesso ao conhecimento econômico. A ausência de uma cultura econômica disseminada e a exclusão desses temas nos currículos escolares tradicionais atuam como vetores de perpetuação da desigualdade.
Existe uma assimetria informacional severa: enquanto elites econômicas possuem acesso a consultorias e educação financeira sofisticada, a base da pirâmide social navega o mercado financeiro e de consumo sem bússola. Populações com menor acesso à informação tendem a ter maior dificuldade para lidar com a complexidade dos contratos de crédito, tornando-se presas fáceis de juros abusivos e fraudes financeiras.
Essa vulnerabilidade não é apenas uma questão individual, mas um problema de estrutura social. Coutinho e Ferreira (2016) argumentam, com razão, que a democratização do conhecimento econômico é um dos caminhos estratégicos para reduzir a desigualdade estrutural. Ao empoderar indivíduos vulneráveis com a linguagem do dinheiro e dos recursos, oferece-se a eles uma chance real de mobilidade social e de defesa contra a exploração econômica.
A economia, portanto, longe de ser uma ciência árida e distante, é a gramática da vida em sociedade. Desde a gestão dos desejos individuais frente à escassez até a complexa teia de decisões que forma uma nação democrática, os princípios econômicos operam ininterruptamente.
Referências
COUTINHO, C. A.; FERREIRA, A. P. Cidadania e educação econômica: desafios e perspectivas. Revista Ibero-Americana de Educação, v. 70, 2016. Disponível em: https://rieoei.org/historico/deloslectores/1713Coutinho.pdf.
GOUVEIA, F. C. Educação econômica para a cidadania: uma proposta para o ensino básico. Revista de Educação e Políticas Públicas, v. 14, n. 1, 2020. Disponível em: https://revistas.unicentro.br/index.php/reppe/article/view/6577.
KAHNEMAN, D. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
MANKIW, N. G. Introdução à Economia. 6. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2015.
NUNES, V. M. et al. Educação econômica como instrumento de formação cidadã. Revista Ensino em Perspectivas, v. 1, n. 2, 2020. Disponível em: https://revistas.uece.br/index.php/ensinoemperspectivas/article/view/1649.
SILVA, T. A.; GOMES, J. R. Educação econômica e sua importância no desenvolvimento crítico do cidadão. Revista Brasileira de Educação Financeira, v. 5, n. 1, 2018. Disponível em: https://revistas.utfpr.edu.br/educacaofinanceira/article/view/10823.
TEIXEIRA, L. J. L. et al. Alfabetização econômica e financeira: contribuições para a inclusão social. Cadernos da Pedagogia, v. 13, n. 29, 2019. Disponível em: https://revistas.ufscar.br/index.php/pedagogia/article/view/2819.
VIEIRA, K. S. Economia comportamental e educação financeira: uma análise crítica. Revista de Administração Pública, v. 51, n. 2, 2017. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rap/article/view/64890.







